A diferença entre os conceitos de sentença citra ou ultra petita e o ato de o juiz arbitrar um valor (mesmo que acima ou abaixo do pedido) está diretamente relacionada à regra da congruência e aos limites da atuação judicial no processo. Vamos detalhar essas situações:
1. Sentença Citra ou Ultra Petita
Definição:
A sentença citra petita ocorre quando o juiz decide aquém do que foi pedido, deixando de apreciar ou conceder parte do pedido feito pelo autor. A sentença ultra petita ocorre quando o juiz decide além do que foi solicitado, concedendo mais do que o pedido ou indo além do que foi requerido.
Características:
- Citra Petita:
- O juiz omite parte do pedido ou decide menos do que foi solicitado.
- Exemplo: O autor pede indenização de R$ 100.000,00, mas o juiz decide sem justificar que o réu deve pagar apenas R$ 50.000,00, sem analisar o pedido total.
- Ultra Petita:
- O juiz concede algo não pedido ou além do pedido.
- Exemplo: O autor pede R$ 50.000,00 de indenização, e o juiz condena o réu a pagar R$ 80.000,00, sem base para justificar esse valor.
Problema:
- Em ambos os casos, há violação da regra da congruência (o juiz deve decidir dentro dos limites do pedido), pois o juiz não está vinculado ao que foi pedido pelas partes.
- Essas decisões geralmente são passíveis de recurso (apelação), pois violam o direito das partes ao contraditório e à ampla defesa.
2. Juiz Arbitrando um Valor Acima ou Abaixo do Pedido
Definição:
Quando o juiz arbitra um valor diferente do pedido, ele não está descumprindo automaticamente a regra da congruência. Isso ocorre porque, em algumas situações, o juiz possui discricionariedade ou dever legal para ajustar o valor solicitado, desde que fundamente adequadamente sua decisão.
Características:
- O juiz não está indo além ou aquém do pedido, mas sim ajustando o valor para que seja compatível com os parâmetros legais, princípios jurídicos ou provas do processo.
- Exemplo:
- O autor pede R$ 500.000,00 de indenização por danos morais, mas o juiz, fundamentando-se na razoabilidade, proporcionalidade e jurisprudência, fixa o valor em R$ 50.000,00.
- Da mesma forma, se o autor pediu R$ 5.000,00 e o juiz entende, com base nas provas, que o valor correto seria R$ 10.000,00, ele pode arbitrar esse valor, justificando com base nos elementos da causa.
Diferença Fundamental:
- Aqui, o juiz não está descumprindo o princípio da congruência, porque ele permanece dentro do escopo do pedido, ajustando apenas a quantificação do direito com base em sua análise judicial.
- Essa prática ocorre especialmente em danos morais, indenizações, e outras situações que dependem de arbitramento.
Diferença Fundamental entre as Situações
Aspecto | Sentença Citra ou Ultra Petita | Juiz Arbitrando um Valor (Fundamentado) |
---|---|---|
Vinculação ao Pedido | Viola a regra da congruência (decide fora dos limites do pedido). | Respeita a regra da congruência (atua dentro do pedido, ajustando valores). |
Limites de Atuação do Juiz | O juiz ultrapassa os limites fixados pelas partes no pedido ou decide menos do que deveria. | O juiz mantém-se dentro dos limites do pedido, ajustando valores com base em provas e fundamentação. |
Exemplo (Citra Petita) | O autor pede R$ 100.000,00, mas o juiz decide que o réu pague R$ 50.000,00 sem justificar. | O autor pede R$ 100.000,00, e o juiz arbitra R$ 50.000,00, justificando com base na proporcionalidade. |
Exemplo (Ultra Petita) | O autor pede R$ 50.000,00, mas o juiz concede R$ 80.000,00 sem justificativa. | O autor pede R$ 50.000,00, e o juiz, com base em provas, decide que o réu deve pagar R$ 60.000,00. |
Quando o Juiz Pode Ajustar Valores?
O juiz pode arbitrar valores diferentes dos pedidos em algumas situações específicas, desde que:
1. Respeite os Limites do Pedido Principal:
- O juiz só pode ajustar os valores dentro do que foi pedido ou do objeto da lide.
- Exemplo: Em uma indenização por danos morais, o juiz pode arbitrar o valor diferente do solicitado, desde que justifique adequadamente.
2. Fundamente sua Decisão:
- O juiz deve indicar claramente os critérios utilizados, como jurisprudência, proporcionalidade e razoabilidade.
- Exemplo: O juiz pode reduzir um valor de indenização se ele considerar desproporcional ao dano sofrido.
3. Situações de Discricionariedade Judicial:
- Em casos como fixação de alimentos, arbitramento de danos morais ou ajustes em contratos, o juiz possui maior liberdade para adaptar os valores com base nos elementos do caso.
Conclusão
A diferença fundamental está no respeito à regra da congruência e na justificação do ato judicial:
- Citra ou Ultra Petita: Há uma violação da congruência, pois o juiz decide fora dos limites do pedido, sem respaldo legal.
- Juiz Arbitrando Valores: O juiz atua dentro dos limites do pedido, mas ajusta o valor com base em critérios legais, jurisprudenciais e probatórios, respeitando o princípio da razoabilidade.
Portanto, a chave para diferenciar as duas situações está na fundamentação e no respeito aos limites objetivos da causa.
No direito brasileiro, a diferença entre sentença citra ou ultra petita e o arbitramento fundamentado pelo juiz está relacionada à regra da congruência e às normas que regulamentam a atuação do magistrado. Abaixo, destaco os principais dispositivos legais que tratam dessas situações no Código de Processo Civil (CPC) e na jurisprudência:
1. Legislação sobre Sentença Citra e Ultra Petita
A regra da congruência, que é a base para identificar sentenças citra ou ultra petita, está expressa no artigo 492 do Código de Processo Civil (CPC).
Artigo 492 do CPC - Regra da Congruência
> "É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado."
Significado:
- Citra Petita: O juiz decide menos do que foi pedido, omitindo parte do pedido formulado pela parte.
- Ultra Petita: O juiz concede mais do que foi pedido ou decide algo que não foi solicitado.
Efeitos:
- As sentenças citra ou ultra petita são passíveis de nulidade parcial ou total, dependendo do caso, por descumprirem a regra da congruência.
- Podem ser corrigidas por meio de:
- Apelação (art. 1.009 do CPC).
- Embargos de Declaração para sanar omissões ou excessos (art. 1.022 do CPC).
Exemplo de aplicação:
- Se o autor pede R$ 50.000,00 e o juiz concede R$ 80.000,00 sem justificar, trata-se de uma decisão ultra petita, que poderá ser anulada.
2. Legislação sobre Arbitramento pelo Juiz
O arbitramento fundamentado pelo juiz é permitido e regulamentado em situações específicas, desde que respeite os limites do pedido e seja devidamente fundamentado. Esse arbitramento se baseia em normas processuais e princípios gerais do direito, como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Base Legal para Arbitramento pelo Juiz
Artigo 371 do CPC - Livre Convencimento Motivado
> "O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes, mas deverá indicar na decisão as razões que lhe formaram o convencimento."
- O juiz tem liberdade para decidir com base nas provas do processo, mas deve justificar qualquer decisão, especialmente quando fixa valores diferentes do pedido.
Artigo 489, § 1º, do CPC - Fundamentação
> "Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
> III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
> IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
> VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento."
- O juiz deve justificar o arbitramento de valores, especialmente em casos de danos morais ou fixação de indenizações, utilizando critérios concretos e respeitando a proporcionalidade.
Artigo 944 do Código Civil - Indenização
> "A indenização mede-se pela extensão do dano."
>
> Parágrafo único: "Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir equitativamente a indenização."
- Em ações de indenização, como por danos morais, o juiz pode ajustar o valor, respeitando os limites do pedido e utilizando critérios de razoabilidade e proporcionalidade.
Diferenças Jurídicas Fundamentais
Aspecto | Citra e Ultra Petita (Art. 492, CPC) | Arbitramento pelo Juiz (Art. 371, CPC e Art. 944, CC) |
---|---|---|
Base Legal | Art. 492 do CPC - Proibição de decidir fora dos limites do pedido. | Art. 371 do CPC (livre convencimento motivado) e Art. 944 do CC (indenizações). |
Limites do Pedido | Viola a regra da congruência: decide fora dos limites do pedido. | Respeita os limites do pedido, ajustando valores com fundamentação. |
Fundamentação | Pode faltar fundamentação ou ultrapassar os limites fixados pelas partes. | Requer fundamentação adequada, com critérios de razoabilidade e proporcionalidade. |
Exemplo de Citra Petita | O autor pede R$ 100.000,00, e o juiz concede R$ 50.000,00 sem justificar. | - |
Exemplo de Ultra Petita | O autor pede R$ 50.000,00, e o juiz concede R$ 80.000,00 sem justificativa. | - |
Exemplo de Arbitramento | - | O autor pede indenização de R$ 500.000,00 por danos morais; o juiz concede R$ 100.000,00 com base na razoabilidade. |
Conclusão
1. Citra e Ultra Petita (Art. 492 do CPC):
- Representam violações da regra da congruência e resultam em decisões que vão aquém ou além do que foi pedido pelas partes.
- Podem ser anuladas parcial ou totalmente por meio de recursos.
2. Arbitramento pelo Juiz (Art. 371 do CPC e Art. 944 do CC):
- O juiz pode ajustar os valores pleiteados, desde que respeite os limites do pedido e fundamente adequadamente sua decisão.
- Esse ajustamento é comum em indenizações e arbitramento de valores, como danos morais, sempre com base na proporcionalidade e razoabilidade.
Essas normas visam garantir um equilíbrio entre o respeito aos pedidos das partes e a necessidade de o juiz aplicar a justiça de maneira proporcional e fundamentada.