1. Compreender o sistema de nulidades do processo civil.
  2. Identificar e diferenciar as espécies de nulidades e suas consequências.

Ovídio A. Baptista da Silva ensina que:

“os atos processuais, como todos os atos jurídicos, podem apresentar certos vícios que os tornem inválidos e ineficazes. No campo do processo civil, estes vícios em geral, decorrem da inobservância de forma por meio da qual um ato determinado deveria realizar-se. Observe-se que o conceito de forma, aqui deve corresponder ao modo pelo qual a substância se exprime e adquire existência, compreendendo, além de seus requisitos externos, também as circunstâncias de tempo e lugar, que não deixam de ser igualmente modus por meio dos quais os atos ganham a existência no mundo jurídico”.

O ato defeituoso continuará a produzir seus efeitos na esfera do processo até ter sua invalidade decretada.

A decretação da invalidade do ato processual pode ser realizada ex ofício ou por provocação das partes, e sempre será dotada de um caráter de sanção.

Para que o ato seja considerado inválido, este deve concomitantemente ser processualmente defeituoso e causar prejuízo.

Prejuízo é a capacidade do defeito de impedir que a finalidade do ato seja atingida.

É o princípio da pas de nullité sans grief, isto é, “não há nulidade processual sem prejuízo".

O tema é tratado no CPC nos artigos 276 a 283.

Sistema de nulidades no CPC – regras gerais.

O estudo dos artigos 276 a 283, do CPC, nos trazem as seguintes regras:

1) Quando a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, a decretação desta não pode ser requerida pela parte que lhe deu causa (artigo 276).

Trata-se da vedação da prática de ato contraditório dentro do processo – venire contra factum proprium.

Nada mais lógico do que impedir que a parte que deu causa ao defeito possa pretender alegar a nulidade, o que violaria a garantia constitucional da duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVIII, da CF).

A doutrina aponta ser possível afirmar que as gradações às violações de forma se apresentam nas seguintes categorias (da mais grave para a menos grave):

a) Inexistência;

b) Nulidade absoluta (violação de norma de interesse público que pode ser reconhecida em qualquer tempo e grau de jurisdição – inclusive de ofício);

c) Nulidade relativa (violação de norma cogente estipulada em favor da parte);

d) Anulabilidade (relacionada à forma dispositiva) e;

e) Mera irregularidade.

2) Quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade (artigo 277).

Trata-se manifestação do princípio da instrumentalidade das formas.

Referido princípio traz a ideia de que, inexistindo prejuízo para a parte contrária e para o próprio andamento do feito, e tendo atingido a sua finalidade, aproveita-se o ato viciado, seja absoluto ou relativamente nulo.

3) A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.

Não se aplica às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão provando a parte legítimo impedimento (artigo 278).

O CPC estabelece que se houver ato nulo no processo que caiba à parte alegar, esta deverá fazê-lo na primeira oportunidade em que tiver de falar nos autos, sob pena de precluir a possibilidade de alegação, exceto se provar ter havido legítimo impedimento de se manifestar sobre a nulidade, caso em que não haverá preclusão.

Neste ponto, é conveniente explicitar as diferenças entre nulidades relativas e absolutas:

RELATIVAS e suas consequências:

devem ser arguidas na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos.

Estão, portanto, sujeitas à preclusão.

ABSOLUTAS e suas consequências:

o juiz pode conhece-las de ofício.

Não se sujeitam à preclusão.

4) É nulo o processo quando o membro do Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.

Se o processo tiver tramitado sem conhecimento do membro do Ministério Público, o juiz invalidará os atos praticados a partir do momento em que ele deveria ter sido intimado.

A nulidade só pode ser decretada após a intimação do Ministério Público, que se manifestará sobre a existência ou a inexistência de prejuízo (artigo 279).

Sempre que o Ministério Público tiver de intervir no processo, seja como fiscal da ordem jurídica, assistente do incapaz ou substituto processual e não seja ele intimado para tanto, reconhece-se a nulidade do feito, a partir do momento em que deveria ocorrer a intervenção.

A nulidade só poderá ser decretada após a intimação do Ministério Público que se manifestará sobre a existência ou não de prejuízo.

ATENÇÃO:

É somente a falta de intimação que gerará a nulidade nesta hipótese, dispensando-se a efetiva participação do membro do MP.

Exemplo:

se o membro do MP se manifesta no processo alegando que não há interesse da instituição, não haverá nulidade.

A regra enfatiza a intimação e não necessariamente a efetiva participação (que ficará condicionada à própria manifestação do órgão).

5) As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais (artigo 280).

As regras de citação e intimação foram vistas em aulas passadas – artigos 238/259 e 269/275, todos do CPC.

Haverá nulidade quando da não observância das regras contidas nos artigos acima referidos.

6) Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam, todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes (artigo 281).

Trata-se aqui da projeção ou reflexo da nulidade nos demais atos processuais.

Anulado um ato, reputam-se nulos todos aqueles que dele dependam.

Contudo, a nulidade, quando parcial, não prejudicará os atos independentes.

Logo, tem-se que:

a) Os atos processuais praticados ANTERIORMENTE ao ato nulo, são considerados válidos e eficazes.

b) Os atos processuais praticados POSTERIORMENTE ao ato nulo dependem de uma análise de dependência ou independência:

se dependentes serão também nulos, se independentes, não serão tocados pela nulidade.

7) Ao pronunciar a nulidade, o juiz declarará que atos são atingidos e ordenará as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados.

O ato não será repetido nem sua falta será suprida quando não prejudicar a parte.

Quando puder decidir o mérito a favor da parte a quem aproveite a decretação da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato ou suprir-lhe a falta (artigo 282).

O artigo 282 trata das consequências processuais da anulação de atos e a atividade do juiz diante da nulidade.

O juiz, ao decretar a nulidade do ato, delimitará a extensão e a projeção de tal nulidade, determinando, ainda, as providências necessárias a regularizar o processo.

O parágrafo 1º, do artigo 282, do CPC traz uma regra importantíssima em direito processo – “não há nulidade sem prejuízo” – pas de nullité sans grief – se o ato alcançou sua finalidade e, com isso, não causou prejuízo às partes, não há que se falar em nulidade.

8) O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo ser praticados os que forem necessários a fim de se observarem as prescrições legais.

Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados desde que não resulte prejuízo à defesa de qualquer parte (artigo 283).

O artigo 283 tratada do aproveitamento dos atos processuais e do erro de forma do processo.

Tem-se aqui a ideia de economia processual, conservação de atos e instrumentalidade das formas, ao determinar que os atos praticados são aproveitados sempre, desde que não ocasionem prejuízo à defesa das partes, nem importem redução da ampla defesa e do contraditório.

3.

Espécies de invalidade 1 .

Como se colocou rapidamente acima, as invalidades processuais podem ser classificadas de acordo com a sua gravidade, existe a irregularidade, que a rigor nem chega a ser considerada uma invalidade, a nulidade relativa, menos gravosa e nulidade absoluta que é mais gravosa.

Vejamos cada uma delas com mais detalhes neste momento.

A) Mera irregularidade:

é caracterizada como o defeito processual incapaz de gerar prejuízo às partes ou terceiros, tampouco à jurisdição.

Exemplo:

o escrivão certifica a juntada de uma “sentença”, quando na verdade tratava-se de uma decisão interlocutória.

B) Nulidade relativa:

emana de uma norma que tutela um interesse disponível da parte.

Tal nulidade depende de arguição da parte interessada, não sendo possível a sua decretação de ofício, tendo como regra geral o prazo de cinco dias, como expressa o artigo 218, §3˚ do CPC (deverá ser alegada em preliminar de contestação).

Exemplos:

casos de incompetência relativa:

territorial (regra geral) e em razão do valor da causa (quando ficar aquém do limite estabelecido por lei).

C) Nulidade absoluta:

decorre da violação de norma cogente que tutela interesse indisponível da parte ou do próprio Estado-Jurisdição.

Esta nulidade deve ser decretada de ofício pelo juiz, podendo esta ser feita a qualquer tempo.

Para este tipo de nulidade não se aplica o caput do artigo 278 do Código de Processo Civil, mas sim o seu parágrafo único.

O ato eivado de vício que acarrete na nulidade absoluta, não pode ser consertado, tendo, obrigatoriamente, que ser retirado do processo e substituído pela pratica de novo ato.

Exemplos:

casos de incompetência absoluta:

em razão da matéria;

em razão da pessoa;

funcional;

territorial (em alguns casos – vide no caso de ação civil pública – artigo 2º, da Lei nº 7.

347/85 2 );

em razão do valor da causa (quando extrapolar os limites estabelecidos pelo legislador).

D) Ato inexistente:

lhe faltam os elementos constitutivos, não estando presentes sequer os elementos nucleares para a sua configuração, não lhe é configurado uma identidade ou fisionomia particular.

A inexistência jurídica nunca se convalida, nem mesmo com o, suposto, trânsito em julgado, afinal se o ato nunca existiu como poderá ter transitado em julgado.

Exemplos:

sentença proferida por quem não é juiz, ou a sentença que não tenha a parte dispositiva, ou mesmo a proferida por juiz desprovido de jurisdição, ou constitucionalmente incompetente.

OBSERVAÇÃO:

o tema nulidade dos negócios jurídicos será visto em DIREITO CIVIL, no estudo dos artigos 166 a 184, do Código Civil (negócios jurídicos nulos e anuláveis):

Art. 166.

É NULO o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 167.

É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.

Art. 168.

As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.

Parágrafo único.

As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes.

Art. 169.

O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Art. 170.

Se, porém, o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade.

Art. 171.

Além dos casos expressamente declarados na lei, é ANULÁVEL o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Art. 172.

O negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro.

Art. 173.

O ato de confirmação deve conter a substância do negócio celebrado e a vontade expressa de mantê-lo.

Art. 174.

É escusada a confirmação expressa, quando o negócio já foi cumprido em parte pelo devedor, ciente do vício que o inquinava.

Art. 175.

A confirmação expressa, ou a execução voluntária de negócio anulável, nos termos dos arts.

172 a 174, importa a extinção de todas as ações, ou exceções, de que contra ele dispusesse o devedor.

Art. 176.

Quando a anulabilidade do ato resultar da falta de autorização de terceiro, será validado se este a der posteriormente.

Art. 177.

A anulabilidade não tem efeito antes de julgada por sentença, nem se pronuncia de ofício;

só os interessados a podem alegar, e aproveita exclusivamente aos que a alegarem, salvo o caso de solidariedade ou indivisibilidade.

Art. 178.

É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:

I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.

Art. 179.

Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

Art. 180.

O menor, entre dezesseis e dezoito anos, não pode, para eximir-se de uma obrigação, invocar a sua idade se dolosamente a ocultou quando inquirido pela outra parte, ou se, no ato de obrigar-se, declarou-se maior.

Art. 181.

Ninguém pode reclamar o que, por uma obrigação anulada, pagou a um incapaz, se não provar que reverteu em proveito dele a importância paga.

Art. 182.

Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.

Art. 183.

A invalidade do instrumento não induz a do negócio jurídico sempre que este puder provar-se por outro meio.

Art. 184.

Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável;

a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.