A inafastabilidade da jurisdição, prevista no art. 5º, XXXV da Constituição Federal, garante que nenhuma lesão ou ameaça a direito fique sem apreciação pelo Poder Judiciário. Isso significa que todo cidadão tem direito a um julgamento inicial, a um acesso ao Judiciário e a pelo menos um grau de jurisdição para ver sua pretensão analisada.

No entanto, esse princípio não implica a obrigatoriedade de que todas as instâncias superiores, como o STJ ou o STF, tenham de analisar o mérito de todos os recursos apresentados. A inafastabilidade da jurisdição assegura o acesso ao Judiciário, mas não assegura acesso irrestrito a todos os tribunais superiores, nem a análise de todos os recursos no mérito.

Por que a inadmissibilidade do recurso não viola o princípio?

1. Exame jurisdicional anterior: Antes da interposição do recurso especial (para o STJ) ou extraordinário (para o STF), o caso já foi examinado por pelo menos uma instância do Poder Judiciário (geralmente duas: o juiz de primeiro grau e o tribunal de segunda instância). Assim, a parte já teve sua demanda apreciada e julgada pelo Judiciário, cumprindo-se a garantia constitucional.

2. Natureza excepcional dos recursos aos tribunais superiores: O Recurso Especial e o Recurso Extraordinário não são vias ordinárias de revisão fático-probatória. Eles não servem à reapreciação total do mérito, mas sim ao controle da correta aplicação da lei federal (no caso do STJ) e da Constituição Federal (no caso do STF). Em outras palavras, são recursos de natureza excepcional, com pressupostos específicos de admissibilidade. A recusa em conhecer o recurso, quando não preenchidos esses requisitos, não priva a parte de jurisdição, mas mantém a competência dentro dos limites fixados pela Constituição e pela legislação infraconstitucional.

3. Requisitos legais de admissibilidade: Os recursos excepcionais possuem requisitos estritos (como a demonstração de repercussão geral, contrariedade a lei federal, esgotamento das instâncias ordinárias, e outros). Se o recurso não atende a esses requisitos, é legítimo que não seja admitido, já que não foi desenhado para reexaminar todo e qualquer caso. Essa limitação é estabelecida pela própria ordem constitucional, visando à estabilidade das decisões e a racionalidade do sistema judiciário.

4. Não há supressão completa do Judiciário, apenas do recurso excepcional: A inadmissibilidade do recurso não significa que o direito não foi examinado pelo Poder Judiciário, mas apenas que não haverá reexame por um tribunal superior. A lide já foi objeto de apreciação jurisdicional, garantindo-se a inafastabilidade no sentido mais amplo de que o conflito foi levado a um órgão do Poder Judiciário.

Exemplo prático:

- Uma ação de indenização foi julgada pelo Juiz de Primeiro Grau (1ª instância) e, insatisfeita, a parte interpôs Apelação ao Tribunal de Justiça (2ª instância), que apreciou novamente a questão, reformando ou mantendo a decisão. A partir daí, a parte tenta recorrer ao STJ por meio de Recurso Especial, alegando, por exemplo, violação de lei federal. Se o STJ entende que o recurso não preenche os requisitos de admissibilidade (falta de prequestionamento, ausência de impugnação específica ao fundamento do acórdão, ou não demonstração de contrariedade a dispositivo de lei federal), o recurso não será conhecido. Isso não viola a inafastabilidade da jurisdição, pois o caso já foi apreciado e decidido por órgãos jurisdicionais; apenas não haverá a instância extraordinária, porque o recurso não se enquadra no regime jurídico próprio do Recurso Especial.

Jurisprudência:

O próprio STJ e o STF, ao analisarem agravos internos ou embargos de declaração contra decisões monocráticas de inadmissibilidade, reiteram que não há violação à inafastabilidade. A exigência dos pressupostos legais para recursos excepcionais é pacífica na jurisprudência, assegurando que o controle desses requisitos não afronta o direito de acesso à justiça, mas o organiza em conformidade com as normas constitucionais e infraconstitucionais.

Conclusão:

A não admissão de um recurso excepcional não configura ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, uma vez que a parte já obteve pronunciamento do Poder Judiciário em pelo menos um grau de jurisdição, cumprindo-se assim a garantia constitucional de que nenhuma lesão ou ameaça a direito fique sem análise pelo Judiciário.