Aristóteles e Platão, dois dos maiores filósofos da Grécia Antiga, desempenharam um papel fundamental na formação das ideias sobre política e governo que mais tarde influenciariam o conceito de constituição.

Embora suas abordagens fossem distintas, ambos refletiram sobre a organização da sociedade e o papel do Estado, oferecendo teorias que ajudaram a moldar as ideias de constituições políticas, direitos e governança.

Platão (427–347 a.C.)

Platão, em sua obra mais conhecida, "A República", ofereceu uma visão idealista do governo e da organização política. Embora Platão não tenha tratado diretamente do conceito de "constituição" no sentido moderno, suas ideias sobre a justiça, a organização do Estado e o papel dos governantes influenciaram a concepção de constituições ao longo da história.

A Teoria das Formas e a Justiça:

Platão acreditava que o Estado deveria ser estruturado de maneira a alcançar a justiça. Em "A República", ele descreve uma sociedade justa como aquela em que cada classe desempenha seu papel adequado. Ele dividiu a sociedade em três classes:

  • os governantes (filósofos-reis),
  • os guardas (soldados ou guerreiros)
  • e os trabalhadores (produtores)

A ideia de justiça para Platão estava em uma harmonia social, onde cada classe cumpre sua função sem interferir nas funções das outras. Essa estrutura ideal foi uma forma inicial de pensar a organização política e social que mais tarde seria refletida nas constituições, que buscam regular a distribuição de poder e garantir que diferentes grupos sociais cumpram funções específicas na sociedade.

"A República" (ou "Política")

Platão discute em "A República" a natureza da justiça, a organização ideal do Estado e a função das diferentes classes sociais dentro da sociedade. O texto descreve um sistema de governo onde os filósofos-reis governam porque são os mais sábios e justos. Ele também introduz a divisão da sociedade em três classes: governantes (filósofos), guardiões (soldados ou defensores) e produtores (trabalhadores, como agricultores e artesãos). Platão acredita que uma constituição justa é aquela onde cada classe exerce sua função de acordo com sua natureza.

Citação relevante: "A justiça é, portanto, fazendo o que é próprio de cada classe e não interferindo nas funções de outra." – Platão, "A República", Livro IV.

Citação relevante: "A cidade será justa quando cada um dos cidadãos fizer o que é próprio de sua classe, sem invadir a função dos outros." – Platão, "As Leis", Livro IV.

Governantes Filósofos:

Platão acreditava que os governantes de um Estado ideal deveriam ser filósofos, pois só aqueles que compreendem as verdades universais poderiam governar de maneira justa e sábia. Essa ideia foi central na sua proposta de uma liderança fundamentada no conhecimento e na virtude.

Esse pensamento influenciou o conceito de que a constituição deve prever uma liderança qualificada e com um compromisso com o bem comum, algo que mais tarde seria refletido em várias constituições que estipulam os requisitos para a liderança política e os direitos dos governantes.

A Distinção entre Governo Justo e Corrupto:

Platão também classificou diferentes tipos de governos com base em sua qualidade moral e eficácia:

  • aristocracia (governo dos melhores, ou filósofos-reis)
  • timocracia (governo de pessoas motivadas pela honra),
  • oligarquia (governo dos ricos),
  • democracia (governo do povo) e
  • tirania (governo de um tirano).

A ideia de Platão sobre diferentes formas de governo e a crítica aos sistemas corruptos influenciaram a reflexão posterior sobre como uma constituição poderia estruturar o poder para evitar a tirania ou a corrupção.

"As Leis"

Em "As Leis", Platão discute uma versão mais prática e realista de governança, em que, ao invés dos governantes serem filósofos-reis, a sociedade é governada por legislação justa. Ele defende a ideia de um governo baseado em leis, com uma ênfase maior na moralidade e na organização da sociedade por meio da justiça e da razão.

Nesse texto, Platão discute a importância de um sistema legislativo e de um governo fundado na razão e na justiça, em vez de depender da autoridade dos governantes individuais. Ele argumenta que as leis devem ser as principais responsáveis pela organização da cidade, pois elas são uma manifestação da razão e da justiça.

Uma citação relevante seria:

Citação de Platão - "As Leis", Livro VI:

"O melhor é a cidade ser governada por leis, pois as leis representam o poder da razão, e não o poder de um governante que pode ser corrompido pela paixão. A razão é o guia que deve reger as ações de todos." – Platão, "As Leis", Livro VI.

Essa citação reflete a ideia de Platão de que a governança deve ser fundamentada em leis justas, que são o produto da razão e que organizam a sociedade de forma justa e equitativa, em contraste com um governo despótico ou arbitrário. Platão acreditava que a moralidade e a justiça poderiam ser alcançadas por meio de um sistema legislativo racional, que servisse para promover o bem comum e organizar as diversas partes da sociedade.

Aristóteles (384–322 a.C.)

Aristóteles, discípulo de Platão, desenvolveu uma abordagem mais prática e realista sobre a política em comparação com a visão idealista de Platão. Ele escreveu amplamente sobre governança em sua obra "Política", onde discutiu as melhores formas de governo e a importância das constituições.

Classificação das Constituições:

Aristóteles propôs uma teoria da constituição baseada na qualidade do governo e na distribuição do poder. Ele classificou os governos em três tipos principais, com base no número de governantes:

  • Monarquia (governo de um só): O governo de um rei ou monarca, que governa para o bem comum.
  • Aristocracia (governo de poucos): O governo de um pequeno grupo de pessoas, geralmente as mais virtuosas e qualificadas.
  • Política (governo de muitos): Governo por uma classe média, que, segundo Aristóteles, seria mais propensa a agir em benefício do bem comum.

Aristóteles também descreveu as formas corruptas dessas constituições:

  • Tirania (corrupta da monarquia): Um governante que age em benefício próprio.
  • Oligarquia (corrupta da aristocracia): Um pequeno grupo de pessoas que governa para seus próprios interesses.
  • Democracia (corrupta da política): A ideia de que a democracia pode ser distorcida quando a maioria, em vez de agir para o bem comum, governa em benefício próprio, frequentemente por meio da demagogia.

Mas 'tirania' era forma corrupta?
de corrupção, de desonestidade, ou de esfacelamento da instituição?
Qual a relação com a tirania romana? Como os romanos usaram o termo se já era pejorativo?

A visão de Aristóteles sobre a política influenciou a ideia de que uma constituição deve regular o poder e garantir que ele seja exercido para o bem comum, considerando as forças sociais e as formas de governança que evitam a corrupção e a tirania.

A Importância da Classe Média e da Participação Cidadã:

Aristóteles acreditava que a classe média deveria ter um papel central na política, pois acreditava que ela estava mais equilibrada em termos de virtude e interesse pelo bem comum. Ele via a política como uma forma de equilibrar os interesses de ricos e pobres, ao contrário da democracia pura ou da oligarquia.

Essa ideia influenciou os conceitos de participação política e representação, que são fundamentais nas constituições modernas, onde se busca garantir uma distribuição equilibrada do poder e a participação de diferentes grupos sociais na governança.

A Constituição como um Contrato Social:

Aristóteles via a constituição como uma espécie de acordo entre governantes e governados, visando promover a ordem e a justiça. Ele acreditava que a constituição devia refletir as condições específicas de cada sociedade e seus valores.

Isso prefigurou a ideia de contrato social que mais tarde seria desenvolvida por filósofos como Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, e que influenciaria fortemente a criação de constituições modernas, nas quais o pacto entre o governo e os cidadãos é estabelecido como base para a legitimidade do poder.

Justiça e Constituição:

Aristóteles considerava a justiça como a virtude central que deveria ser perseguida em qualquer forma de governo. Em sua visão, a constituição deveria assegurar que todos os cidadãos tivessem direitos e responsabilidades claros, e que o poder fosse exercido de maneira a promover a justiça distributiva e justiça corretiva.

Esse conceito de justiça como a base para a organização do Estado e a proteção dos direitos dos cidadãos influenciou diretamente a formulação das constituições que buscam garantir a igualdade e a equidade dentro da sociedade.

Resumo

As ideias de Platão e Aristóteles sobre o governo e a organização da sociedade influenciaram profundamente o conceito de constituição. Platão focou em uma organização ideal da sociedade e a liderança por governantes sábios, enquanto Aristóteles adotou uma abordagem mais pragmática e realista, destacando a importância de equilibrar os interesses da sociedade, evitar a corrupção e promover a justiça. Ambas as filosofias ajudaram a formar os alicerces para as constituições modernas, que buscam organizar o poder, garantir direitos e promover o bem-estar da sociedade.


Platão

Aristóteles

"Política"

Em sua obra "Política", Aristóteles analisa as diferentes formas de governo e a natureza da constituição. Ele classifica as constituições em três tipos: monarquia (governo de um único líder), aristocracia (governo de uma elite virtuosa) e política (governo de muitos, com foco na classe média). Para Aristóteles, a constituição é um contrato social que deve promover o bem comum e a justiça distributiva, onde o poder é distribuído de forma equilibrada, com a classe média tendo um papel importante para evitar excessos de ricos ou pobres.

Citação relevante: "A política é uma arte que busca o bem comum, onde a justiça se encontra na medida do possível entre as diferentes formas de governo." – Aristóteles, "Política", Livro III.

"Ética a Nicômaco"

Em "Ética a Nicômaco", Aristóteles discute a virtude e a justiça como princípios fundamentais tanto para a vida individual quanto para a vida coletiva. Ele acredita que o bem comum deve ser buscado por meio de um governo que promova a equidade e a justiça distributiva. Essa ideia é aplicada nas suas concepções sobre as constituições, onde o poder deve ser organizado de maneira que permita a felicidade e o bem-estar de todos.

Citação relevante: "A justiça é a virtude que regula a interação entre os indivíduos e entre as classes sociais de uma cidade." – Aristóteles, "Ética a Nicômaco", Livro V.

Essas obras de Platão e Aristóteles são fundamentais para a teoria política e tiveram uma grande influência na concepção de constituições, especialmente no que diz respeito ao papel do Estado, à justiça e à organização política da sociedade. Platão focou em uma visão idealista de governança, enquanto Aristóteles forneceu uma análise mais prática e realista dos tipos de governo e da distribuição de poder.