1. Classificar as Constituições de acordo com os principais critérios doutrinários.
2. Entender a relação entre supremacia e rigidez constitucional.
3. Aplicar as diversas classificações às Constituições do Brasil.
A Constituição é o conjunto de normas e princípios fundamentais que regem a organização e funcionamento de um Estado, além de estabelecer direitos e deveres dos cidadãos e dos poderes públicos. No entanto, o conceito de "Constituição" pode ser entendido de diferentes maneiras, dependendo do contexto jurídico e filosófico. A seguir, explico os principais conceitos de Constituição:
1. Constituição Formal e Material
- Constituição Formal: Refere-se ao conjunto de normas que estão codificadas e escritas em um documento específico, como uma carta constitucional. Neste sentido, a Constituição formal é um texto oficial e elevado em hierarquia, que organiza o poder e estabelece os direitos fundamentais.
- Constituição Material: Diz respeito ao conteúdo das normas que tratam da organização do Estado e das relações fundamentais entre os governantes e os governados, independentemente de estarem ou não formalmente escritas. Ou seja, a constituição material refere-se à essência e aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico.
2. Constituição Rígida e Flexível
- Constituição Rígida: É aquela que exige um processo legislativo especial e mais difícil para ser modificada, com o objetivo de preservar sua estabilidade e evitar mudanças frequentes. Normalmente, isso implica em uma maioria qualificada para aprovar emendas ou reformas constitucionais.
- Constituição Flexível: Ao contrário da rígida, a constituição flexível pode ser alterada pelo mesmo processo legislativo que altera as leis ordinárias, sem a necessidade de procedimentos mais rigorosos ou maiorias especiais.
3. Constituição Escrita e Não Escrita
- Constituição Escrita: É aquela que está formalmente codificada em um único documento, ou em um conjunto de documentos legais. Ela organiza de forma sistemática a estrutura política, os direitos e os deveres dos cidadãos. Exemplos incluem a Constituição dos Estados Unidos e a Constituição Brasileira.
- Constituição Não Escrita: Refere-se a um conjunto de normas e práticas que não estão sistematicamente codificadas em um único documento, mas que são entendidas como constitucionais. Isso ocorre, por exemplo, no Reino Unido, onde a Constituição é formada por leis, convenções, jurisprudência e outros documentos históricos.
4. Constituição Dogmática e Costumeira
- Constituição Dogmática: É aquela que é redigida de forma expressa, sistemática e clara, por um órgão constituinte soberano. Trata-se de uma constituição criada a partir de um processo consciente e deliberado, como a elaboração de uma carta magna. A Constituição Brasileira de 1988 é um exemplo de constituição dogmática.
- Constituição Costumeira: Baseia-se nos costumes, práticas e convenções políticas que se estabelecem ao longo do tempo. Não é escrita de maneira sistemática, mas é aceita pela população e pelas autoridades como as regras que regem o Estado. O Reino Unido também tem um tipo de constituição costumeira.
5. Constituição Imutável e Modificável
- Constituição Imutável: Algumas constituições são consideradas imutáveis ou quase imutáveis, no sentido de que certas normas fundamentais (como a forma de governo ou os direitos fundamentais) não podem ser alteradas. Esse tipo de constituição visa garantir a estabilidade e a proteção de princípios essenciais.
- Constituição Modificável: Permite alterações, seja por emendas ou revisões, para adaptar-se às mudanças sociais, políticas e econômicas. A Constituição Brasileira de 1988 é modificável, permitindo emendas constitucionais.
6. Constituição Federal e Estadual
- Constituição Federal: Trata-se da norma que estabelece a organização do Estado e as relações entre os diferentes níveis de poder (nacional, estadual, municipal). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 regula os direitos e deveres de todos os cidadãos, assim como a estrutura do governo federal.
- Constituição Estadual: São as constituições que regem a organização de cada Estado-membro dentro de uma federação. No Brasil, cada estado possui uma constituição estadual que define a organização do governo estadual e a relação com a Constituição Federal.
7. Constituição Promulgada e Outorgada
- Constituição Promulgada: É aquela que resulta de um processo democrático, em que a população ou seus representantes (por exemplo, uma Assembleia Constituinte) participam da elaboração e aprovação do texto constitucional.
- Constituição Outorgada: É imposta por um governante ou grupo de governantes sem a participação popular ou de representantes do povo, geralmente em contextos de regimes autoritários ou de força.
Esses são os conceitos mais comuns de Constituição, cada um com características específicas dependendo do contexto histórico, político e jurídico de cada país. A Constituição serve, em última instância, como a base do ordenamento jurídico de um Estado, definindo os limites do poder e assegurando os direitos fundamentais dos indivíduos.
A supremacia constitucional e a rigidez constitucional são dois conceitos fundamentais no direito constitucional, e embora estejam intimamente relacionados, eles têm significados distintos e desempenham papéis diferentes dentro do ordenamento jurídico. Vamos entender a relação entre eles.
1. Supremacia Constitucional
A supremacia constitucional é o princípio que estabelece que a Constituição ocupa o topo da hierarquia normativa de um país, sendo a norma suprema em relação a todas as outras normas. Isso significa que qualquer norma infraconstitucional (ou seja, qualquer lei, regulamento ou ato normativo) deve estar em conformidade com a Constituição. Se uma norma infraconstitucional contrariar a Constituição, ela poderá ser considerada inconstitucional e, portanto, inválida.
Características principais da supremacia constitucional:
- Hierarquia das normas: A Constituição está no topo da hierarquia jurídica, e todas as demais normas devem respeitar seus princípios e regras.
- Controle de constitucionalidade: Existe um mecanismo (controle de constitucionalidade) para verificar se as normas infraconstitucionais estão em conformidade com a Constituição. Caso contrário, elas podem ser declaradas nulas ou inconstitucionais.
- Objetivo: Garantir a prevalência dos princípios e direitos fundamentais que a Constituição consagra, como uma forma de proteger a ordem jurídica e assegurar a proteção dos direitos do cidadão.
2. Rigidez Constitucional
A rigidez constitucional refere-se à dificuldade de alteração da Constituição. Uma constituição rígida é aquela que exige um procedimento especial e mais complexo para ser modificada, em comparação com as normas infraconstitucionais. Ou seja, a rigidez diz respeito à dificuldade de mudança da Constituição, garantindo que ela não seja alterada com facilidade, o que assegura a estabilidade do ordenamento jurídico e a proteção dos direitos fundamentais.
Características principais da rigidez constitucional:
- Procedimento de alteração: A Constituição rígida exige um procedimento legislativo especial para ser modificada, muitas vezes com a exigência de maiorias qualificadas no legislativo ou a convocação de uma Assembleia Constituinte.
- Proteção contra mudanças intempestivas: A rigidez evita que alterações constitucionais sejam feitas de maneira precipitada, garantindo que mudanças substanciais só ocorram após um processo democrático e deliberado.
- Exemplo: A Constituição Brasileira de 1988 é uma constituição rígida, pois, para ser alterada, exige a aprovação de emendas constitucionais por três quintos das duas casas do Congresso Nacional, em dois turnos de votação, por exemplo.
3. Relação entre Supremacia e Rigidez Constitucional
Embora a supremacia e a rigidez constitucional se refiram a aspectos distintos da Constituição, elas estão profundamente interligadas e se complementam de várias formas.
A supremacia constitucional e a rigidez garantem estabilidade e proteção ao sistema jurídico.
- Garantia de estabilidade: A rigidez constitucional contribui para a estabilidade do sistema jurídico, já que ela impede alterações frequentes e precipitadas da Constituição. Isso assegura que os princípios fundamentais e os direitos constitucionais sejam preservados ao longo do tempo, protegendo-os de mudanças motivadas por interesses temporários ou momentâneos. A supremacia reforça essa estabilidade ao garantir que nenhuma norma infraconstitucional possa contrariar a Constituição, assegurando sua prevalência.
- Proteção dos direitos fundamentais: A supremacia constitucional garante que os direitos e princípios garantidos pela Constituição não sejam violados por normas inferiores, enquanto a rigidez assegura que a Constituição permaneça inalterada, protegendo esses direitos contra mudanças arbitrárias ou feitas por um número reduzido de pessoas ou por interesses momentâneos.
- Controle de constitucionalidade: O controle de constitucionalidade, que é um reflexo da supremacia constitucional, funciona melhor em um sistema jurídico onde a Constituição é rígida. Isso ocorre porque a rigidez garante que mudanças na Constituição não sejam feitas de forma fácil ou apressada, o que, por sua vez, dá mais segurança ao processo de controle, uma vez que há um sistema mais sólido de proteção dos direitos constitucionais.
Exemplificação da relação:
- Constituição Brasileira de 1988: A Constituição Brasileira é rígida, pois para ser alterada exige um procedimento específico de emenda constitucional. Além disso, ela é suprema, ou seja, todas as outras normas devem respeitar seus preceitos, e caso alguma norma infraconstitucional seja contrária a ela, pode ser declarada inconstitucional. A rigidez e a supremacia juntas garantem que os direitos fundamentais consagrados na Constituição de 1988, como os direitos sociais e individuais, não sejam facilmente alterados ou desrespeitados.
4. Diferença entre Supremacia e Rigidez
Embora ambos os conceitos busquem garantir a proteção da Constituição e a ordem jurídica, a diferença entre eles está em sua natureza:
- Supremacia constitucional é um princípio de hierarquia normativa, que afirma que a Constituição é a norma suprema e que as normas infraconstitucionais não podem contrariá-la.
- Rigidez constitucional é uma característica da Constituição que descreve a dificuldade de modificá-la, exigindo um processo especial para sua alteração.
Ambos os conceitos trabalham juntos para preservar a Constituição, garantindo que ela se mantenha estável e que seus princípios e normas não sejam violados por leis ou atos do poder público.
Conclusão
A supremacia constitucional e a rigidez constitucional são dois conceitos interdependentes que, juntos, asseguram a integridade e a estabilidade da Constituição. Enquanto a supremacia garante que nenhuma norma infraconstitucional possa contrariar a Constituição, a rigidez impede que mudanças intempestivas sejam feitas na própria Constituição, proporcionando segurança jurídica e proteção aos direitos fundamentais. Ambos os princípios são essenciais para assegurar a ordem constitucional e para proteger os valores consagrados pela Constituição de um país.
As Constituições do Brasil podem ser classificadas de diversas maneiras, e ao aplicar essas classificações às constituições brasileiras, podemos obter uma visão mais detalhada sobre o desenvolvimento constitucional do país. Vamos aplicar algumas das principais classificações às Constituições brasileiras:
1. Classificação quanto à Forma (Escrita x Não Escrita)
Constituições Escritas:
Todas as Constituições brasileiras são escritas, ou seja, estão formalmente codificadas em documentos oficiais que são conhecidos e acessíveis ao público. O Brasil nunca teve uma Constituição não escrita, como no caso do Reino Unido, onde as normas constitucionais são formadas por costumes, convenções e decisões judiciais.
- Exemplo: Todas as Constituições brasileiras, desde a de 1824 até a de 1988, são constituições escritas.
Constituições Não Escritas:
O Brasil nunca teve uma Constituição não escrita, pois em todas as fases de sua história, as constituições foram criadas com um texto codificado, estabelecendo formalmente as regras que regem a organização do Estado.
2. Classificação quanto à Origem (Outorgada x Promulgada)
Constituições Outorgadas:
São aquelas que são impostas por um poder central, sem a participação efetiva do povo ou do Congresso Nacional. Elas surgem a partir de um poder constituinte não democrático.
- Exemplo: A Constituição de 1824 foi outorgada por Dom Pedro I, após a independência do Brasil. A Constituição de 1937, durante o Estado Novo de Getúlio Vargas, também foi outorgada.
Constituições Promulgadas:
São aquelas elaboradas por um poder constituinte representativo, como uma Assembleia Constituinte eleita pelo povo ou pelos seus representantes. A elaboração é mais democrática, com ampla participação da sociedade.
- Exemplo: A Constituição de 1946 e a Constituição de 1988 são constituições promulgadas, pois foram criadas por Assembleias Constituinte representativas após períodos de regimes autoritários.
3. Classificação quanto à Estabilidade (Rígida x Flexível)
Constituições Rígidas:
São aquelas que exigem um procedimento especial e mais complexo para serem alteradas, o que torna sua modificação mais difícil e exige uma maior estabilidade.
- Exemplo: A Constituição de 1988 é rígida, pois as alterações nela exigem uma emenda constitucional, que requer uma aprovação qualificada nas duas casas do Congresso Nacional.
Constituições Flexíveis:
São aquelas que podem ser alteradas pelo mesmo processo legislativo utilizado para modificar as leis comuns, sem a necessidade de um processo especial.
- Exemplo: A Constituição de 1891 era flexível, pois o processo de alteração era o mesmo que o das leis ordinárias, sem exigências rigorosas para modificações.
4. Classificação quanto ao Conteúdo (Analítica x Sintética)
Constituições Analíticas:
São aquelas que contêm um grande número de detalhes sobre a organização do Estado e a regulação das relações entre os cidadãos e o poder público. São muito específicas, detalhadas e abrangem uma vasta gama de assuntos.
- Exemplo: A Constituição de 1988 é uma constituição analítica, pois detalha exaustivamente os direitos sociais, os direitos fundamentais, e a organização dos poderes, além de incluir normas sobre a ordem econômica e social, a defesa do meio ambiente, a saúde, a educação, e outros temas específicos.
Constituições Sintéticas:
São aquelas que têm um texto mais conciso e geral, contendo apenas os princípios fundamentais e as linhas gerais sobre a organização do Estado. Elas são mais flexíveis e não detalham tantos aspectos específicos.
- Exemplo: A Constituição de 1824 pode ser considerada mais sintética, pois, apesar de ser a primeira do Brasil, não detalhou tanto os direitos sociais e as funções do Estado quanto as constituições posteriores.
5. Classificação quanto à Rigidez do Texto (Dogmática x Costumes)
Constituições Dogmáticas:
São aquelas que têm um caráter sistemático e estruturado, sendo criadas por uma autoridade política soberana e estabelecendo uma ordem constitucional clara e rígida.
- Exemplo: A Constituição de 1988 é dogmática, pois foi criada de maneira explícita e estruturada, com um conjunto claro de princípios e direitos fundamentais.
Constituições Consuetudinárias (ou costumeiras):
São aquelas que não são sistematizadas em um único texto formal, mas sim baseadas em costumes e práticas que, com o tempo, adquirem valor constitucional.
- Exemplo: O Brasil nunca teve uma Constituição consuetudinária. No entanto, a Constituição de 1824, embora formalmente escrita, também foi influenciada por práticas da monarquia e não tinha um sistema tão detalhado quanto a Constituição de 1988.
6. Classificação quanto à Organização do Poder (Centralizada x Descentralizada)
Constituições Centralizadas:
São aquelas que estabelecem um modelo de governo centralizado, com pouco ou nenhum espaço para a autonomia dos estados ou províncias. O poder tende a ser concentrado na figura do governo central.
- Exemplo: A Constituição de 1824 era centralizada, pois a maior parte do poder estava concentrada nas mãos do imperador, com poucos poderes atribuídos aos estados.
Constituições Descentralizadas:
São aquelas que estabelecem um sistema federativo, com autonomia política e administrativa para os estados e municípios, que possuem um grau considerável de independência.
- Exemplo: A Constituição de 1891 foi a primeira a instituir a república federativa no Brasil, e desde então, as constituições brasileiras têm seguido um modelo descentralizado. A Constituição de 1988 também mantém o sistema federativo, com estados e municípios possuindo autonomia.
7. Classificação quanto à Natureza do Poder Constituinte (Originária x Derivada)
Constituições Originárias:
São aquelas elaboradas por um poder constituinte originário, ou seja, por um poder soberano que não se submete a nenhuma constituição anterior.
- Exemplo: A Constituição de 1824 foi elaborada pelo poder constituinte originário após a independência do Brasil e não se baseou em nenhuma constituição anterior.
Constituições Derivadas:
São aquelas que emendas ou modificações de uma constituição anterior, com base em um poder constituinte derivado, ou seja, que já se submete à constituição existente.
- Exemplo: A Constituição de 1988 pode ser considerada em parte derivada, pois várias de suas emendas posteriores foram feitas dentro dos limites do poder constituinte derivado. Ela também pode ser modificada através de emendas constitucionais.
Conclusão
A aplicação dessas classificações às Constituições do Brasil mostra a evolução do país, refletindo as mudanças políticas, sociais e históricas em diferentes períodos. As constituições brasileiras variam quanto à sua origem, rigidez, conteúdo e a organização do poder, e essas características nos ajudam a compreender melhor como o Brasil passou de um império centralizado para uma república democrática e federativa, com direitos sociais e políticos bem estabelecidos na Constituição de 1988.